segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Extração do gás de xisto: Expresso para o futuro ou caminho equivocado?

Fracking (fratura hidráulica), imagem em www.gaslandthemovie.com
Fracking (fratura hidráulica), imagem em www.gaslandthemovie.com

No momento em que o Brasil ensaia o uso do gás de xisto, as muitas dúvidas levantam a questão: estamos pegando um bonde errado na história?

As reservas conhecidas de combustíveis fósseis, os mais utilizados no mundo, um dia vão se acabar. Para suprir essa demanda, duas opções são apontadas para o futuro: desenvolver fontes alternativas de energia ou encontrar reservas inexploradas de recursos não renováveis – desconsiderando seus impactos ambientais. Nesse contexto, a extração do gás de xisto vem ganhando destaque internacional, especialmente nos Estados Unidos, e já começa a ser discutida no Brasil.
Apesar do entusiasmo, as muitas incertezas em relação ao gás de xisto, à viabilidade de seu uso como fonte energética e a seus riscos são evidentes, segundo especialistas reunidos durante a 65ª Reunião Anual da SBPC. O país deve então entrar de cabeça nessa empreitada? Ou será que, desta vez, deixar o bonde da história passar pode ser positivo?
Em sua composição e utilização, o gás de xisto é quase idêntico ao gás natural extraído junto com o petróleo, o mesmo que, provavelmente, alimenta a sua casa – na verdade, os dois se formam até nas mesmas camadas do subsolo e são frutos do mesmo processo. Vale destacar que, considerando sua origem, a designação ‘de xisto’ é incorreta, como frisaram os pesquisadores. “O xisto é uma rocha metamórfica e os hidrocarbonetos se formam em rochas sedimentares com muita matéria orgânica, submetida a grandes pressões e temperaturas ao longo do tempo”, afirmou o geofísico Fabio Taioli, da Universidade de São Paulo. “O nome correto seria gás de folhelho.”
O gás natural e o ‘de xisto’ se diferenciam na sua extração. Ao longo de milhões de anos, o primeiro migra naturalmente das camadas rochosas em que se formou para outras mais superficiais, onde acaba acumulado sob rochas que funcionam como ‘tampões’. Para extraí-lo, basta perfurar essa camada. O gás ‘de xisto’, por sua vez, permanece impregnado na camada formadora. Para explorá-lo, é preciso perfurar o solo até lá e depois fazer perfurações horizontais, por quilômetros, em muitas direções. Com jatos d’água pressurizada, a rocha é, então, fraturada, liberando o gás aprisionado.
Era de ouro (de tolo?)
Segundo avaliações bastante superficiais da Agência Internacional de Energia (IEA), o Brasil teria uma das dez maiores reservas de gás ‘de xisto’ do mundo e, diferentemente do que acontece com o petróleo, a América possuiria quantidades importantes do recurso. A estimativa apresentada pelos pesquisadores é de que já existam mais de dois milhões de poços em atividade hoje, a maioria nos Estados Unidos. Mas, enquanto a IEA parece acreditar que entramos numa era dourada para a exploração do gás, aqui no Brasil – e entre a comunidade científica em geral – ele ainda desperta muita desconfiança.
O próprio processo de extração do recurso não é totalmente conhecido, uma vez que as empresas tratam seus detalhes como segredo industrial. Por exemplo, junto com a água pressurizada, também é bombeada uma série de substâncias químicas cuja composição exata não é divulgada – ela incluiria, por exemplo, ácidos como os usados em lavagem de piscinas, anticorrosivos, redutores de atrito e agentes químicos que facilitam a saída dos fluidos.
O baixo tempo de vida de cada poço também preocupa. Segundo Taioli, o processo se aproxima mais da mineração do que da extração de gás convencional. “A partir de um furo, retira-se o gás nas rochas da região, mas a vida útil de cada perfuração é de apenas alguns anos, depois é preciso migrar para um ponto mais adiante e furar novamente”, explicou. “Como não há estudos, não sabemos nem qual é a eficiência do processo, se todo o gás do local é retirado antes de ele ser abandonado”, completou o geólogo Luiz Fernando Scheibe, da Universidade Federal de Santa Catarina.
Além disso, outros pontos ainda pouco dimensionados podem causar grandes danos ambientais. Por exemplo, a enorme quantidade de água necessária para a exploração do gás. “De onde seria extraída e será que valeria a pena utilizar tamanha quantidade desse precioso recurso para esse fim?”, questionou o químico Jailson Bittencourt de Andrade, da Universidade Federal da Bahia. “E o que fazer com os rejeitos, o líquido que retorna do interior da terra junto com o gás repleto de substâncias químicas?”
Também relacionada à proteção da água, outra ameaça ambiental seria a possível contaminação de lençóis freáticos e aquíferos. “É um assunto importante no Brasil, pois uma das potenciais maiores reservas no país encontra-se abaixo do aquífero Guarani, considerado reserva estratégica, na bacia do rio Paraná”, ressaltou Scheibe. Como se não bastasse, a extração traz ainda preocupações quanto à possibilidade de provocar terremotos – casos suspeitos já foram detectados em países como Inglaterra e Estados Unidos.
Em sua coluna na CH On-line, o biólogo Jean Remy Guimarães já abordou as dúvidas e os riscos envolvidos na exploração do gás ‘de xisto’ e também falou sobre a euforia midiática que tem cercado sua exploração.
Um recurso para depois
Apesar das enormes incertezas, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) pretende lançar, até o fim do ano, o primeiro edital para a exploração comercial do gás ‘de xisto’ no Brasil – nas bacias do Parnaíba e do São Francisco e no Recôncavo Baiano. “Como definir as regras para a exploração, a forma de monitorar as empresas ou de avaliar possíveis danos ambientais se não há conhecimento científico sobre os processos usados na atividade, sobre seus potenciais impactos ou sequer sobre as características das rochas produtoras?”, questionou Taioli.
Para permitir a realização de mais estudos sobre o gás antes de sua utilização, os pesquisadores que debateram o tema na reunião da SBPC solicitaram que a entidade encaminhe à agência reguladora um pedido para cancelar o edital e adiar a exploração do recurso. “É preciso definir políticas públicas e regulamentações para o setor, mas, para isso, são necessárias mais pesquisas”, defendeu o geofísico. “Cabe à academia, por exemplo, definir as áreas com maior potencial, desenvolver estudos sobre o fraturamento hidráulico para minimizar danos ambientais e estudar os parâmetros locais para monitorar as áreas de exploração.”
Apesar do frenesi que provocou nos Estados Unidos, outros países, como a França, proibiram a exploração do gás ‘de xisto’. Para Taioli, o recurso não deve, no entanto, ser simplesmente descartado. Afinal, pode ser uma importante reserva energética para o país. “O desenvolvimento e a inserção de novas camadas sociais no consumo têm gerado enorme aumento na demanda de energia, que temos atendido com usinas termelétricas movidas a óleo diesel”, ponderou. “O folhelho pode substituir insumos mais caros e poluentes e abre possibilidades de desenvolvimento local, com a geração de energia própria; é muito mais razoável explorar o gás perto de Manaus, por exemplo, do que construir gasoduto até lá, atravessando a floresta”, concluiu.
(Marcelo Garcia/Ciência Hoje On-line)
Matéria socializada pelo Jornal da Ciência / SBPC, JC e-mail 4782.
EcoDebate, 05/08/2013

Nenhum comentário:

Postar um comentário