sábado, 23 de novembro de 2013

"Não me arrependo do que fiz, aceitei correr os riscos", diz Ana Paula Maciel

A bióloga brasileira Ana Paula Maciel, 31, afirma que não se arrepende de ter feito parte do protesto do Greenpeace que a levou a ficar dois meses presa na Rússia.
Em entrevista por telefone à Folha, Maciel, libertada nesta semana sob fiança, diz que foi bem tratada na prisão, primeiro em Murmansk, depois em São Petersburgo.
Mas reclama do "terror psicológico" que é ficar detida. Ela teve de conviver com luzes acesas e barulho 24 horas por dia.
Ao lado de 29 ativistas, a ativista foi presa no dia 19 de setembro, durante um protesto no mar Ártico contra a exploração de petróleo.
Mesmo libertada, ela terá de seguir no país até a sentença definitiva. Pode ser condenada por vandalismo e pirataria, crimes que chegam a 15 anos de prisão.
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Folha - Como foram esses dois meses de prisão?
Ana Paula Maciel - Os primeiros dias foram os mais difíceis, em Murmansk, porque é realmente um terror psicológico não poder fazer absolutamente nada do que você tem vontade. As luzes ficavam acesas 24 horas por dia na cela, você não podia escolher ficar em silêncio.
Qual a maior dificuldade que você enfrentou na cela?
Não poder dormir no escuro e no silêncio, já que a luz ficava 24 horas acesa e um rádio permanecia ligado no corredor. Nunca estávamos em completo silêncio e escuridão. Nunca pensei que fosse me sentir tão bem agora, podendo dormir no escuro e em silêncio.

Conheça a brasileira Ana Paula Maciel

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Olga Mltseva - 20.nov.13/AFP
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Ana Paula Maciel na quarta-feira (20), dia em que foi solta após pagamento de fiança na Rússia Leia mais
Em algum momento de reflexão, você se arrependeu de ter feito esse protesto? As autoridades russas apontam que vocês cometeram crimes de vandalismo e pirataria.
Não me arrependo, porque para mudar as coisas, para fazer um mundo melhor, é preciso passar por riscos e aceitei os riscos. Acho que nós fizemos um protesto pacífico, como fazemos há 40 anos, com o Greenpeace.
Não sentiu falta de casa? Se você não tivesse ido ao protesto, poderia estar em casa hoje.
Na verdade, se eu estivesse sentada na comodidade do meu sofá, na minha casa, nada disso teria acontecido. Mas, ao mesmo tempo, nada teria mudado também, nenhuma pessoa teria conhecimento dos problemas da exploração do petróleo no Ártico para o mundo.
Eu não sou uma pessoa assim; sempre procurei uma razão para minha vida. E encontrei essa razão, que é defender os que não têm como se defender, como a vida selvagem do Ártico.
Como era a rotina na prisão?
Em Murmansk, era uma cela de 5 x 2 metros, com vaso sanitário, uma pia, beliche e uma mesa pequena --eu até fiz um desenho. Assistia a um pouco de televisão e a um canal de música, tipo uma MTV russa, e acho que isso nos trouxe um alento porque ajudava a pensar.
Uma vez tocou minha música favorita, "Safe and Sound", da banda Capital Cities, enquanto escrevia para minha mãe, coincidência.
Eu li muito também, li "Dom Casmurro" (Machado de Assis), uma coletânea do Oscar Wilde, livros dados pela Embaixada do Brasil. E o Greenpeace nos comprou muitos livros e os doou à biblioteca da prisão. Podíamos pegá-los, alguns em espanhol, outros em inglês.
A prisão era perigosa? Você sofreu alguma ameaça?
Em nenhum momento tive medo. Os guardas sempre foram gentis conosco. Dentro do possível, eles sempre atenderam a nossos pedidos. Se sentíamos frio, eles aumentavam a calefação, levavam cobertores.
E como você vê a possibilidade de ser condenada pela Justiça russa e não voltar tão cedo para casa?
O caso não está acabado. Continuo achando que foi exagerada a reação do governo russo por uma manifestação pacífica. Não cometi nenhum crime, não houve vandalismo nem pirataria, como querem nos acusar. Falei na corte russa muitas vezes: se a Justiça russa é justa, não tenho que ter medo de ser condenada.
Passa pela sua cabeça que pode voltar para a prisão?
Trabalho com essa possibilidade. Se acontecer, o que tiver que ser será. É assim que eu trabalho: tudo que acontece na minha vida tem uma razão. Tento fazer meu melhor dentro das oportunidades que a vida me oferece. Tenho orgulho de ter participado de tudo isso, nunca machuquei ninguém. Não sou um perigo para a sociedade.
O governo brasileiro fez o que deveria para ajudá-la?
O apoio foi impressionante. Sei que a presidente Dilma Rousseff pediu para o ministro das Relações Exteriores [Luiz Alberto Figueiredo] encontrar uma solução. No dia em que fui libertada, ele me telefonou.

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